Despedir de Jericoacoara não foi fácil. Para mim o local
mais sensacional da viagem. Penso que nem é muito bom ficar exaltando-a para
não a encher demais de turistas nos próximos verões. Ainda mais depois que o
aeroporto da região ficar pronto. Quando fui pegar a bike para arrumar as coisas o pneu estava
furado. Remendei o furo e ao colocar a roda no lugar não consegui apertar a
rosca do eixo com a grampola, estava espanado. Tentamos algumas alternativas e
vimos que teríamos que arrumar outro eixo em Jijoca.
D-20
Pegamos uma D-20 para atravessar as dunas e logo estávamos
em Jijoca de Jericoacoara. Fomos para a loja recomendada e estava fechada para
almoço. Bati na porta para guardar a bicicleta e sairmos para almoçar também.
Na volta o cara foi muito simpático e seu funcionário fez de tudo para nos
ajudar. Por muita sorte, já que na cidade não tinha peças para bicicletas mais
sofisticadas com 27 velocidades como a minha. Ele tinha um eixo usado quase idêntico
ao meu e me deu. Eu tinha que trocar os raios e para isso ele
tinha que tirar as coroas, mas infelizmente não tinha a chave certa. Tentou
tudo que pode, inclusive batendo com uma chave de fenda para rodar a coroa
menor e então tirar todo o conjunto das 9 coroas e vi que por mais que ele
conseguisse tirá-la, não iria conseguir apertá-la que é o mais difícil.
Segui com os raios velhos mesmo.
Estávamos no pedal novamente. Muitos dias sem pedalar e como
sempre, sentíamos os músculos se acostumando lentamente ao processo. E não
pedalamos mais do que duas horas e revi um filme. Os raios da minha roda,
desgastados e carcomidos pela maresia, cedendo um por um até a roda ficar tão
torta e começar fazer rotações tão irregulares que o pneu começou a pegar no
quadro. Sorte que estávamos perto de um posto de gasolina onde paramos para
tentar carona para a próxima cidade em busca de uma bicicletaria. Rapidamente
conseguimos subir em um caminhão que transportava cervejas e que nos deixou em
frente a principal loja da cidade. Já tinha comprado raios inox, óleo para
corrente e na loja comprei rodas novos já que a traseira tinha quebrado em uma
das extremidades de um raio e novos pneus também. Foi o maior gasto com peças que tive na
viagem. R$ 150,00. O mecânico era bom e o trabalho ficou quase 100%, só não foi
completo, pois quando já a 2 km da loja percebi que estava com o velocímetro sem
marcar a velocidade. Ele esquecera de colocar o imã no raio para marcar as
rotações! Voltei, ele arrumou, nos despedimos novamente e até que enfim pegamos
estrada sentido Barroquinha.
Trocando rodas, raios e pneus
Chegando lá paramos para um sorvete em frente a uma escola
onde conseguimos água e os alunos por detrás da grade ficavam nos chamando para
esconder a cara quando olhávamos para trás. Pagamos e iniciei o pedal na frente
e pouco mais adiante o Diego gritou para eu esperar. Ele viu uma bike cheia de
bagagens com uma bandeira do Chile e do Brasil do outro lado da pista. Era o
“chileno” que tínhamos ouvido falar algumas vezes durante o percurso. Estava
indo no mesmo sentido que agente e tinha parado numa lan house para se
comunicar com uma pessoa que iria hospedá-lo em Parnaíba. Trocamos várias
figuras, fizemos uma entrevista com o
César e fomos em um ritmo lento até Chaval. A bike dele era bem mais pesada que
a nossa, com um guidão mais alto e o banco mais confortável. Ele preferia uma
pedalada mais lenta e estava mais de dois anos na estrada, com 14.000 km
percorridos com sentido ao México, onde tem alguns amigos esperando e pretende
viver por um tempo.
Chegamos em Chaval quase de noite e lá o Diego, como de praxe, foi atrás de um jantar e eu preferi um lanche. Tomei vários sucos e conheci um
senhor muito simpático que me ofereceu sua casa para pernoitamos. Fomos pra sua
casa humilde vizinha de parede de uma igreja evangélica em pleno culto
ensurdecedor onde dormimos.
Dormindo em Chaval
No dia seguinte tomamos café com o senhor e conhecemos o
redor de sua casa cheio de pedras e com um visual diferente do que estávamos
acostumados. Tiramos uma bela foto, deixei minha raquete de frescobol com a
bolinha para seus filhos e seguimos em direção ao delta do Parnaíba. Entramos
no Piauí, no meio da caatinga seca e muito sol e fomos devagar até um
restaurante beira de estrada onde chegamos com muita fome. Estávamos sem nada
de dinheiro e o César nos emprestou R$ 7,00 para eu e Diego almoçarmos e
tomarmos 2 litros de suco de manga e goiaba deliciosos. Após o almoço o César
foi dar uma esticada enquanto nós ficamos conversando.
Chaval - CE
Chaval - CE
Filhos do senhor simpático
Casa de barro
Família e vizinhança reunida
Chegamos em Parnaíba e nos despedimos de nosso amigo que
tinha um pouso certo. Tiramos dinheiro fiz uma pequena compra, internet, venda
de adesivos, jantar e colchão num posto de gasolina cheio de mosquitos. No meio
da noite acordo com uma puta agachada olhando pra mim dizendo: “ Que que
isso?”e rapidamente “E aí, vamos namorar um pouquinho?” Acordei meio assustado de um
sonho e respondi que estava dormindo e então ela seguiu para o próximo
caminhoneiro rapidamente e bateu em sua porta. O cara acordou e disse que era
melhor ela ir dormir. Em sua terceira tentativa, ouvi alguns ruídos e risos e
acho que ela conseguiu o que queria. Deveria ser mais uma pobre coitada viciada
em crack, um dos problemas mais graves do Brasil hoje em dia. Acredito que a
lei deveria ser muito mais severa para o traficante desta pedra maldita.
Divisa Ceará - Piauí
Divisa Piauí - Maranhão
No outro dia entramos no último estado do nordeste, o
Maranhão. Paramos para um caldo de cana e a primeira pergunta que fiz para um
maranhense foi sobre a política e a resposta foi que as coisas estavam
melhorando, a estrada era nova e coisas do tipo. Após o almoço em um posto uma
bela garota começou uma conversa comigo enquanto o Diego tirava um cochilo na
rede. Ela disse que eu parecia um ex-namorado dela baiano que a engravidou no Rio de Janeiro.
“Como nenhuma firma aceita gente grávida...” ela logo teve que vir de volta para
sua terra com o segundo filho. Pensou até em “dar” o menino para um hospital ou
deixa-lo na porta de alguém, mas disse que se tivesse feito, teria hoje se
arrependido muito. Não usou camisinha para fazer de um jeito que o baiano nunca
mais esquecesse e se apaixonasse por ela. Deu no que deu. Não trabalha e vive
com a mãe que também não trabalha e vive as custas do marido que deve trabalhar
literalmente como um condenado.
Era época de eleição e o posto de gasolina estava cheio de
automóveis em fila para encher o tanque por conta da atual prefeita que queria
se reeleger. De noite teria comício numa cidadezinha perto e a bela moça ali
estava para pegar carona e poder se distrair um pouco. Ela não pegava carona
com qualquer um pois histórias de estupro com requinte de crueldade assombravam a
região. Disse que para ir para as festas, as garotas tinham que se sujeitar ao
que o dono do transporte quisesse pela carona, e ela não gostava disso. Contou
sobre uma garota com menos de 15 anos com AIDS que após saber da doença fazia
sexo com muito mais frequência. Perguntei sobre seu sonho e a senhorita
romântica queria um amor eterno desses de novela que ela via todos os dias.
Perguntei se o pai sabia da existência do filho e ela disse que sim mais não
queria assumi-lo. Disse também que tinha medo de ir ao Rio sozinha e o baiano
mandar matá-la. Essa história me fez lembrar a do goleiro Bruno e imaginei se
seria muito excesso de televisão em sua cabeça ou se realmente o baiano seria
capaz de tanto.
A bela moça
Acho que por ter sido simpático e a ter escutado e dado
atenção por mais de uma hora e por talvez ser parecido com esse baiano percebi
que ela gostou muito de mim até ela me convidar para sua casa que ficava á 10
km de estrada de terra dali. Disse que infelizmente tinha que seguir meu
caminho e deixei meus contatos virtuais. Disse pra ela ser forte e tentar uma
vida diferente em outro local com mais oportunidades. Tiramos uma foto e nos
despedimos. Comecei a sentir um ódio tremendo por todos os políticos sarnentos
que roubam a vida de milhões de brasileiros. Cadeia de poucos anos depois desse
julgamento do mensalão é uma carícia na cabeça desses ordinários, cassação de mandato de Roseana Sarney é uma piada. Se fosse em outros países como a China por exemplo, o final era outro.
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Na próxima cidade que paramos para tomar um refresco,
entramos numa espécie de bar onde tinha muitas meninas novas com marmanjos se
agarrando e preferimos ficar do lado de fora. Então uma menina bêbada, com os
dentes podres veio conversar com agente um monte de asneira.
Que tristeza! Seguimos viagem novamente e quando a viagem passa dos 100 km
começa a ficar bem cansativa. Chegamos
numa cidadezinha onde jantamos 4 coxinhas por falta de opção e dormimos atrás
de mais um posto. Que dia comprido.
Repouso merecido
Acordamos e seguimos os últimos 30 km para ..... de onde
pegamos um Jipe por R$ 50,00 com muita negociação para Barreirinhas. Na viagem
de quase 3 horas fomos contemplando a mudança da vegetação contínua até
chegarmos nas dunas dos Lençóis maranhenses, o cartão postal do Maranhão...
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