quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O vendedor de rostos






Segunda feira, dia ensolarado, o mundo roda novamente. Os carros procuram vagas no meio de outros tantos, as árvores acenam com bom dia, o rio continua derramando as cachoeiras e apenas o Madrinho que se encosta postado do mesmo jeito. Sua mulher, cansada de ver novela, sóbria de tanto amor, pegou o trem das onze com mala e nada. Sem dinheiro, sem cheiro, Marianinha cansou do marido estático e foi procurar peixe em outra freguesia.
Madrinho não percebera a falta da companheira até que Marcinha, amiga de sua esposa, ligou em sua casa atrás da amiga. Levou tamanho susto que deixou de assistir o seu programa predileto; O Sorriso mais feio. Procurou-a no fogão, na cama e nos pés e não a encontrou. Um súbito silêncio percorreu toda a sua casa; “ONDE ESTÁ MARIANINHA?”

Ligou para sua sogra e recebeu um convite para o inferno, o sogro há tempos não dizia outra coisa se não “táquiupariu”, já os irmãos de Marianinha trocaram seu novo endereço fictício por uma surra, pegaram o pobre Madrinho e bateram muito nele. Depois de muita pancada eles o trancaram numa jaula e o colocaram para vender no mercado do pai. Madrinho agora vivia em um metro quadrado sem Marianinha e via o mundo em partes, divididas pelas grades maciças de ferro que o circundava. Triste, apático e com muita fome, Madrinho só pensava em uma coisa: “Quero meus rostos de volta”. E não ia demorar muito para sair dali já que o movimento no mercado do sogro ficou nulo após sua chegada. Clientes milenares chegavam a vomitar em cima da jaula. A imagem de Madrinho era um desencanto.

Certo dia seu sogro abriu a jaula, o puxou pelos cabelos e o lançou no meio da calçada, apontou o dedo várias vezes na sua cara e gruiu algumas ondas sonoras graves. Tão graves que Madrinho correu o mais rápido que pode para longe daquele ser humano. Ele se esquivava do sol, dos carros, das fumaças, das mulheres e via o mundo ficando marrom, cinza, violeta e por mais que se movimentasse ele ia ficando cada vez mais desorientado. Seu corpo tremia incontrolavelmente e um suor denso e frio descia pelas pernas. Ele precisava ir pra casa, mas era impossível saber o caminho de memória, então ele resolveu seguir o rosto das pessoas, essa seria a pista certa para o caminho de volta.

Ele corria energicamente de um lado para outro olhando os rostos dos mamíferos ao seu redor e o que ele tinha em cérebro é que a medida que os rostos fossem ficando amargos e sem cor nenhuma era mais uma pista de que ele estava chegando perto de casa. Ele entrava nas padarias, nos açougues e quando tinha sorte via um rosto sendo chupado instintivamente. Começou a se movimentar mais e mais e em uma rua estreita viu dois rostos ficando murchos e sem cor, começou a correr com o pescoço avançando na frente das pernas como um atleta que está a um milésimo do segundo colocado diante à faixa de chegada. Logo entrou em uma praça cheia de vida, cheia de gente e por todos os lados os rostos iam murchando e até o cheiro deles iam ficando azedo. Na porta de um recinto ele viu uma fila de homens que tinham seus rostos derretendo, percebeu então que estava muito próximo de sua morada.

Resolveu entrar no local e no meio de socos e ponta pés espantosamente ele viu um grande retrato seu pendurado na parede. Ele tinha escolhido um belo sorriso e tinha persuasão no olhar. Por um segundo nostálgico ele estufou bastante o peito, mas no segundo decorrente lhe acertaram a barriga. Ele não sentia dores e por todos os lados corpos inteiros derretendo queriam tocar o pobre Madrinho, portanto ele se viu obrigado a usar uma ferramenta o mais rápido possível. Coçou a garganta e todos no recinto começaram a trocar suas euforias por uma certa dúvida alérgica. Então Madrinho sem saída, tirou do bolso os últimos rostos que lhe restavam e os trocou com os proprietários mais derretidos. Aos poucos o ambiente foi se tornando azul e até o grande Madrinho, para comemorar, trocou seu rosto também.

Daí ele lembrou de tudo da forma mais serena possível. Lembrou por exemplo que não estava em casa e sim na Madrinho´s S/A e todos aqueles que o cumprimentavam com socos eram os mesmos que um dia ele mesmo os rejeitou com ponta pés. Veio a sua cabeça então que mesmo com os ponta pés a Madrinho´s não resistiu e quebrou ao meio, depois em várias centenas de partes e então esfarelou-se. Recordou que a curva dos lucros da Madrinho´s se parecia muito com a curva do sorriso de Marianinha e por fim lembrou-se que não podia esquecer a sua promessa e como toda promessa, ele precisava arranjá-la um bom final feliz.

Saindo da Madrinho´s ele viu um mundo sorrindo e derretendo ao mesmo tempo, ele então resolveu mudar de ramo. Correu em casa, colocou seus pertences em uma grande mala, pegou no seu baú secreto os rostos mais valiosos e os colocou em outra mala, jogou fora seus cabelos, virou seu rosto de cabeça para baixo e desapareceu. Desapareceu mesmo!

Ah! Se você leitor o encontrar, diga que ele também nos deve um final para esta estória.


Nenhum comentário: